Um porquinho gordinho e bochechudo andava pela praia quando viu uma arara. A arara estava empoleirada graciosa e contente tomando banho de sol de olhos fechados e meditando profundamente sobre o tempo, o espaço e a fronteira final no que concerne ao mundo das araras. O porquinho admirou a cena por vários minutos ate que se entediou com o barulho do mar e foi ter com a arara:
- Oi!
- Ola... - disse a arara abrindo os olhos e cocando as asas com o bico.
- Quer ser meu amigo?
- O certo eh amiga.
- Que? - indagou o rechonchudo porco.
- Sou uma fêmea. Então eh amiga. Voce tem que perguntar se eu quero ser sua amiga.
- Ah.
- LogicoquesendoeuumaararaeapalavraararaemportuguesterminacomaelevaacrerquesempresefalaAararaenaoo araravocetentouseratecondizenteesimpaticoeissoehmuitobomporqueestemundoestacheiodegenteperversae...
- Mas entao? - intorrempeu o rolico suino.
- Entao o que?
- Quer ser minhA amigA?
- Tudo bem! Voce gosta de conversar? E de ouvir? Eh que eu falo muito as vezes. Eu medito sobre o tempo, o espaço e a fronteira final no que concerne ao mundo das araras e portanto sempre tenho muito a falar.
- Ah. OK. Eu sou um bom ouvido, eu acho. Pelo menos para um porco.
- Que bom. Agora que somos amigos o que vamos fazer?
- Essa praia eh bonita.
- Eh.
- Vamos passear na areia perto do mar!
- Claro. Se importa de eu voar?
- Mas eu nao vou poder acompanhar sua velocidade!
- Hum. Eh verdade. O meu deslocamento mínimo necessário para manter um sobrevoo constante depende de uma velocidade que via terrestre se torna incompatível, especialmente para suas pernas de porquinho. E que perninhas gordinhas!
- Eh. Eh meu pernil. Meu presuntinho. Um porquinho deve estar sempre em forma.
- Bom, bom. OK, nao eh comum para araras mas andarei com voce. Eh um pouco dificultoso para mim, sabe? Tudo que os passaros fazem eh voar e dar pulinhos. Isso desconsiderando as galinhas, os galos, as picotas, enfim os galinaceos em geral. Com a domesticação se perdeu a essência desses bichos.
- A essência deles agora fica na panela - replicou o suíno arredondado.
- Muito verdade meu caro amigo! Sabe que me cansa andar? Poderia eu me empoleirar em suas costas?
- Mas ai voce vai me machucar com essas unhas! Vai dilacerar minha costinha e rasgar meu lombinho! - protestou o nariz-de-tomada como se essa lógica fosse a coisa mais obvia do mundo. E de fato o era.
- Bem verdade meu amigo rosado! Bem verdade. Por voce e por nossa amizade continuarei andando. Mas oh! Veja la que vem um cao! Um cachorro! E que triste parece!
- Sim, o que sera que houve?
- Ola meu canino amigo, que bons ventos marítimos o trazem a esta bela praia neste belo dia?
- Ah, ai de mim! Sofro com o resignio em meu coração! - E caiu em prantos, ganindo baixinho.
- Mas que cachorro eloqüente! - disse o porquinho arregalando os olhinhos, o que fazia com que sua bochecha ficasse ainda mais redonda.
- Eloqüência pode ser adquirida facilmente e nao significa exatamente inteligência! - disse de pronto a arara empinando o bico.
- Oh, deixai-me aqui, deixai-me morrer pela mare, que ela me leve ao fundo do submerso e que eu me afogue em desespero e agonia, ganindo bolhas de dor enquanto o sal embalsama o meu corpo maldito! Ai de mim, que desgraçado eu sou!
- Acho que ele eh eloqüente, ainda assim. (E dramático...) - sussurrou o porco a sua amiga penosa e colorida.
- Creio que ao menos possamos saber o que se deu por ocorrido, qual a desgraca que se abateu sobre o nosso irmão. Diga, meu amigo, diga para que seus parentes do reino animalia nao fiquem sem propósito, pois isso seria um despropósito e uma ignomínia. Onde ja se viu encontrar alguem sofrendo e nao saber a causa para poder ajudar. Nos, que voamos ao ceu, somos seres puros de coração e pequenos de estômago. Diga la.
- Eu nao vôo... - disse o porquinho com uma certa frustração na voz.
- Pois eis que compartilharei a minha desgraça, mas que isso nao alivie meus pecados! Que eu sofra sob o sol e que ate a vagem me odeie! Que a sombra me amedronte e as arvores se fechem em meu caminho!
- Sim, sim, diga logo! - guinchou o suíno impaciente.
- Eu comi uma salsicha.
- E?
- E? - repetiu a arara (e por um segundo detestou ter repetido pois se sentiu um papagaio)
- Nao era uma qualquer meus amigos, oh, quem sou eu para chamar-vos de amigos. Nao mereço amigos, nao mereço pena!
- Mas continue por favor!
- Um dia encontrei uma salsicha indo para floresta. Estava ela a catar lenha, como esta nao era sua ocupação adequada, tomei-a por espia e lhe dei cabo da vida... Horas depois encontrei um pássaro que me questionou sobre a mesma, e tendo lhe dito que a havia lhe tirado o corpo e lhe liberto o espírito, o pássaro prontamente me acusou de roubo e assassinato! Naquela hora apenas lhe disse que isso nao importava, por a salsicha estar fora de sua ocupação e provavelmente ser uma espia! Mas ai que dias depois soube que o pássaro morreu, juntamente com um rato em uma casa que ambos dividiam com a salsicha*. Meu coração se despedaçou de remorso e minha vida se tornou um mar de espinhos que continuamente navego a espera da morte. A cada ano o arrependimento cresce mais e mais e creio tanto que mereço sofrer que nao dou cabo de minha própria vida. Aguardo apenas a loucura total chegar ou a ceifadora me levar.
- (Grandes coisas, salsichas geralmente sao feitas de porco) - falou o porco consigo mesmo.
- (Existem, para sua informação salsichas de frango e apesar do meu desprezo pela classe inferior dos galináceos, eles ainda sao pássaros e nao merecem tal fim) - sussurrou a arara para o porquinho - mas bem, meu nobre e arrependido amigo, o arrependimento cura muitas feridas e como o tempo benevolente seu pecado ja deve ser esquecido. Vida nova, vamos em frente! Porquinho, porquinho, pergunte ao nosso amigo o que voce me perguntou hoje!
- O que vamos fazer?
- Antes disso.
- Ah! Cãozinho arrependido... quer ser meu amigo?
O cao fitou os dois animais distintamente e refletindo rapidamente sobre as palavras da arara e diante da benevolência do focinho-chato a sua frente, caiu novamente em prantos e disse:
- Sim! Sim, eu quero ser seu amigo! Eu o protegerei e o guardarei como forma de compensar minha maldade no passado!
- Nao precisa! E eu tenho uma idéia agora... Que tal visitarmos outro amigo meu
- Posso ir voando?
- Pode.
- Então tudo bem.
- Irei com voce aonde for, pois nas nuvens negras do meu ceu se abriu um raio de luz! Adiante, vamos aonde nosso destino e focinho nos levam!
E assim se dirigiram para a saida da praia.
Continua...?
*O cao eh uma referencia direta a historia dos irmaos Grimm intitulada "O pássaro, o rato e a salsicha". Gaste uns minutos do seu tempo lendo coisas clássicas que nao sao sobre o socialismo ou sobre como o ser humano existe por que pensa. :D
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