Em 1985 a patente para o primeiro scanner laser foi preenchida nos Estados Unidos pelas indústrias Cyberware, avançando periodicamente através da utilização da tecnologia para produção de filmes e criação de mapas para fins militares. Foi somente uma questão de tempo para que a tecnologia avançasse para um nível profissional - e miscroscópico. Foram aonde nossos problemas começaram.
Muitos na verdade não consideram este o início dos problemas mas sim das soluções tão aguardadas por tantas pessoas ao redor do mundo. O conceito da patente não englobava a total idéia do escaneamento laser, baseado nos mesmos conceitos do radar do morcegoa, aonde ondas sonoras permitem localizar objetos e criar um "mapa" das redondezas. A diferença era que o scanner usaria um feixe de luz para criar o mapa. Adjunto ao microscópio, revelaram-se os fatos que mudariam o mundo anos depois.
Veja bem, o conceito de vida biológica não decorre somente da presença de carbono ou movimento voluntário em um ser, como já foram encontrados seres na própria Terra que não atendem necessariamente estes requerimentos. Inteligência e consciência são completamente diferentes nestes quesitos. Nunca se foi precisamente determinado se as plantas possuem consciência, mas determinado foi com certeza que ao seu modo os animais possuem inteligência em maior e menor grau a atendendo suas necessidades mais específicas. Assim foi conosco. Nossas emoções e desejos aliadas à nossa inteligência nos permitiram alcançar desenvolvimentos que nos trouxeram muito mais que o necessário para nossas necessidades. Alcançamos o estágio de desenvolvimento da arte.
Os eventos que decorreram da criação do scanner laser tridimensional microscópico são contadas da data do preenchimento da patente por que ninguém sabe com certeza quem obteve os primeiros resultados e quando, visto que tal informação hoje é de autoria solicitada por várias autoridades ao redor do mundo. Nem se atribui à Cyberware a criação do mesmo por que o conceito já existia nas estórias de ficção científica amplamente distribuída por diversas mídias.
As implicações que mais pesaram do dia da Descoberta em diante foram as de caratér religioso. De uma semana para outra pessoas abandonaram Igrejas, ateus e agnósticos celebraram suas convicções e novas religiões nasceram. Ainda que ainda não sejam claros os detalhes da Evolução e quem a infligiu primeiro, a perda de fé foi grande. Para outras pessoas na verdade foi um sinal da Divindade, a aliança entre ciência e religião, tão esperada, tão aliviadora para pessoas que sempre andaram na linha entre fé e tecnologia. Reconfortante. O mundo mudou e ainda assim continuou o mesmo.
Continua...
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20111225
20091019
Fome - parte I
19 de abril
Voltei cedo do trabalho hoje, não estava me sentindo bem. Na verdade estava, mas de repente me deu um mal estar enorme, me senti observado, cercado de gente agressiva e meu estômago começou a pesar como chumbo. Falei com o chefe que me perguntou se estava tudo bem por que eu estava muito pálido. Liberado, fui embora como um robô, quando vi estava em casa, parecia que só tinha dado um passo da porta do trabalho e tinha chegado em casa, não passado pelos usuais dois trens do caminho. Resolvi dormir e agora acordei com muita fome. Acho que vou pedir uma pizza.
20 de abril
A pizza de ontem não ajudou. Já é de manhã, não fui trabalhar e nem consegui dormir direito. Tenho muita fome.
São seis da tarde e comi como um bicho. Comprei bolos, salgadinhos, sucos e pedi mais pizzas. Nada. A fome não passa. Não sei o que fazer.
Dez horas da noite. Já provoquei duas vezes de tanto comer. Achei umas pílulas pra dormir que a Érica esqueceu aqui quando foi embora, espero que possa dormir melhor.
21 de abril
Acordei ao meio dia, o lado bom é que as pílulas funcionaram. O lado mal é que estou com uma terrível indigestão e ainda com fome. Mas tentando ficar quieto e organizar meus pensamentos, percebi que é algo não exatamente no estômago. A fome que eu tenho é outra. A sensação me incomoda muito, vou tomar mais pílulas. Despluguei o telefone.
22 de abril
As pílulas acabaram. Mas não adiantaram como ontem. Dormi algo em torno de 4 horas só. Fiquei rolando na cama, estômago cheio e um desconforto. Não acho nehuma posição pra ficar quieto e relaxar, minhas roupas me incomodam e ficar nu me incomoda ainda mais. Tentei tomar um banho quente e me irritei ainda mais. Não consigo comer também.
Agora já é noite e acho que já sei. Fazem três meses que a Érica me deixou, desde então não tenho procurado ninguém. Deve ser essa solidão então. Quero dizer, preciso dar uma. Acho que é tesão e não fome. Vi pela internet que tenho uma boa grana guardada então acho que vou chamar aquela menina do flyer que deixaram aqui outro dia.
23 de abril
Ela passou a noite aqui, me comeu um bocado de grana e ainda não estou satisfeito. Preciso de mais. Ela foi embora mas deixou uns números de telefone pra mim, disse que algumas amigas dela estão em tempos difíceis e poderiam vir aqui. Liguei pra três delas. Saí de casa só pra ir ao caixa eletrônico. Aguardo ansiosamente.
24 de abril
Uma delas ainda está aqui dormindo, exausta. A primeira saiu no meio da noite assustada e dizendo que não aguentava mais. A segunda tentou ficar mais, mas disse que não queria mais, já tinha dinheiro suficiente. Essa que ficou deve ir embora quando acordar. Eu também já não aguento mais. Estou esgotado, meu membro está vermelho e dolorido e quando urino chega a doer. Não era tesão. Tenho fome.
25 de abril
Ontem comprei mais pílulas pra dormir. Só por garantia também passei em um traficante que já foi meu amigo um dia e comprei um pouco de erva. Nunca gostei muito, fumei algumas vezes na faculdade ou por aí, mas hoje o caso é sério. Preciso relaxar. Preciso.
26 de abril
Acordei em uma poça de vômito, acho que tomei remédios demais. Minha cabça gira sem parar e mal consigo escrever. Tenho sorte de não ter morrido. Não quero ir ao médico, vou ficar aqui quietinho.
27 de abril
Não sei o que fazer. Fome. Fome. Fome. Fome. Fome.
28 de abril
29 de abril
30 de abril
Não dormi, esqueci que tinha um diário. Mas não fiz nada interessante, não fiz nada. Fiquei na cama sentindo a fome, sentindo a dor. Não sei o que fazer. Vou sair um pouco daqui, preciso de ar novo.
01 de maio
Não foi uma boa idéia. Absolutamente. Eu não devia ter saído. Eu vi essa mulher passando por mim, e ela cheirava tão bem. A fome me fez segui-la, andei bem quieto atrás dela, sentindo o perfume. Cheirando. Estava bom, eu não sentia dor, eu me sentia bem. Mas ela percebeu, ela virou e gritou e eu saí correndo. Me escondi em um beco. Voltei pra casa. Preciso disso, daquele cheiro.
02 de maio
O que eu fiz? O que? Ontem depois de escrever saí de novo. Saí e encontrei aquela mulher de novo, ela não me viu e estava escuro. Perto do mesmo beco onde me escondi. Eu puxei ela, tapando sua boca, coloquei ela na parede, de costas pra mim, ela chorava e dizia que não ia reagir, que só queria viver. Eu disse que tinha fome, eu disse que precisava dela, do cheiro dela. Segurando os pulsos dela eu cheirei o pescoço, passei muito tempo ali, ela chorava baixinho mas não reagia. Depois de algum tempo eu parei, me ajoelhei e comecei a chorar. Não era o suficiente, a fome continuava. Ela percebeu que eu a soltara e fugiu. Eu voltei pra casa. Tenho fome.
03 de maio
Dói escrever. Acho que desmenti alguns dedos. Meu punho esquerdo com certeza está quebrado em alguns lugares. Desesperado, comecei a quebrar algumas coisas em casa. Com socos, com chutes, com minha cabeça, pelo amor de Deus. Estou com vários cortes, estou sentindo o gosto das lágrimas misturadas com sangue da minha testa, eu cheiro mal, não tomo banho há dias. Tenho fome.
04 de maio
Arrumei tudo, tudo está limpo, tomei banho, fiz a barba. Fiz curativos, coloquei meus dedos no lugar (o que doeu muito e agora minha mão está inchada). Acho que vou ao médico.
05 de maio
Uma mão engessada até perto do cotovelo, alguns pontos no rosto e no peito, mas estou fisicamente saudável. Ele me indicou um psiquiatra. Fui no mesmo dia e ele me veio com a conversa de "análise" e "tempo pra avaliar". Não sei o que fazer, tenho fome.
06 de maio
Voltei ao trabalho apenas para ser demitido com justa causa, o que não foi surpresa. Deixei tudo o que tinha lá. Acho que vou mudar de casa também. Preciso pensar, a fome incomoda muito.
07 de maio
Como tudo que ficará nesta casa para quem abri-la um dia, este diário também ficará. Tudo referente ao periodo anterior da fome foi queimado, junto com os diários dos anos anteriores. Daqui nada levo, não deixo dívidas e nem responsabilidades. Parto daqui com fome. Tenho fome.
Tenho fome.
Voltei cedo do trabalho hoje, não estava me sentindo bem. Na verdade estava, mas de repente me deu um mal estar enorme, me senti observado, cercado de gente agressiva e meu estômago começou a pesar como chumbo. Falei com o chefe que me perguntou se estava tudo bem por que eu estava muito pálido. Liberado, fui embora como um robô, quando vi estava em casa, parecia que só tinha dado um passo da porta do trabalho e tinha chegado em casa, não passado pelos usuais dois trens do caminho. Resolvi dormir e agora acordei com muita fome. Acho que vou pedir uma pizza.
20 de abril
A pizza de ontem não ajudou. Já é de manhã, não fui trabalhar e nem consegui dormir direito. Tenho muita fome.
São seis da tarde e comi como um bicho. Comprei bolos, salgadinhos, sucos e pedi mais pizzas. Nada. A fome não passa. Não sei o que fazer.
Dez horas da noite. Já provoquei duas vezes de tanto comer. Achei umas pílulas pra dormir que a Érica esqueceu aqui quando foi embora, espero que possa dormir melhor.
21 de abril
Acordei ao meio dia, o lado bom é que as pílulas funcionaram. O lado mal é que estou com uma terrível indigestão e ainda com fome. Mas tentando ficar quieto e organizar meus pensamentos, percebi que é algo não exatamente no estômago. A fome que eu tenho é outra. A sensação me incomoda muito, vou tomar mais pílulas. Despluguei o telefone.
22 de abril
As pílulas acabaram. Mas não adiantaram como ontem. Dormi algo em torno de 4 horas só. Fiquei rolando na cama, estômago cheio e um desconforto. Não acho nehuma posição pra ficar quieto e relaxar, minhas roupas me incomodam e ficar nu me incomoda ainda mais. Tentei tomar um banho quente e me irritei ainda mais. Não consigo comer também.
Agora já é noite e acho que já sei. Fazem três meses que a Érica me deixou, desde então não tenho procurado ninguém. Deve ser essa solidão então. Quero dizer, preciso dar uma. Acho que é tesão e não fome. Vi pela internet que tenho uma boa grana guardada então acho que vou chamar aquela menina do flyer que deixaram aqui outro dia.
23 de abril
Ela passou a noite aqui, me comeu um bocado de grana e ainda não estou satisfeito. Preciso de mais. Ela foi embora mas deixou uns números de telefone pra mim, disse que algumas amigas dela estão em tempos difíceis e poderiam vir aqui. Liguei pra três delas. Saí de casa só pra ir ao caixa eletrônico. Aguardo ansiosamente.
24 de abril
Uma delas ainda está aqui dormindo, exausta. A primeira saiu no meio da noite assustada e dizendo que não aguentava mais. A segunda tentou ficar mais, mas disse que não queria mais, já tinha dinheiro suficiente. Essa que ficou deve ir embora quando acordar. Eu também já não aguento mais. Estou esgotado, meu membro está vermelho e dolorido e quando urino chega a doer. Não era tesão. Tenho fome.
25 de abril
Ontem comprei mais pílulas pra dormir. Só por garantia também passei em um traficante que já foi meu amigo um dia e comprei um pouco de erva. Nunca gostei muito, fumei algumas vezes na faculdade ou por aí, mas hoje o caso é sério. Preciso relaxar. Preciso.
26 de abril
Acordei em uma poça de vômito, acho que tomei remédios demais. Minha cabça gira sem parar e mal consigo escrever. Tenho sorte de não ter morrido. Não quero ir ao médico, vou ficar aqui quietinho.
27 de abril
Não sei o que fazer. Fome. Fome. Fome. Fome. Fome.
28 de abril
29 de abril
30 de abril
Não dormi, esqueci que tinha um diário. Mas não fiz nada interessante, não fiz nada. Fiquei na cama sentindo a fome, sentindo a dor. Não sei o que fazer. Vou sair um pouco daqui, preciso de ar novo.
01 de maio
Não foi uma boa idéia. Absolutamente. Eu não devia ter saído. Eu vi essa mulher passando por mim, e ela cheirava tão bem. A fome me fez segui-la, andei bem quieto atrás dela, sentindo o perfume. Cheirando. Estava bom, eu não sentia dor, eu me sentia bem. Mas ela percebeu, ela virou e gritou e eu saí correndo. Me escondi em um beco. Voltei pra casa. Preciso disso, daquele cheiro.
02 de maio
O que eu fiz? O que? Ontem depois de escrever saí de novo. Saí e encontrei aquela mulher de novo, ela não me viu e estava escuro. Perto do mesmo beco onde me escondi. Eu puxei ela, tapando sua boca, coloquei ela na parede, de costas pra mim, ela chorava e dizia que não ia reagir, que só queria viver. Eu disse que tinha fome, eu disse que precisava dela, do cheiro dela. Segurando os pulsos dela eu cheirei o pescoço, passei muito tempo ali, ela chorava baixinho mas não reagia. Depois de algum tempo eu parei, me ajoelhei e comecei a chorar. Não era o suficiente, a fome continuava. Ela percebeu que eu a soltara e fugiu. Eu voltei pra casa. Tenho fome.
03 de maio
Dói escrever. Acho que desmenti alguns dedos. Meu punho esquerdo com certeza está quebrado em alguns lugares. Desesperado, comecei a quebrar algumas coisas em casa. Com socos, com chutes, com minha cabeça, pelo amor de Deus. Estou com vários cortes, estou sentindo o gosto das lágrimas misturadas com sangue da minha testa, eu cheiro mal, não tomo banho há dias. Tenho fome.
04 de maio
Arrumei tudo, tudo está limpo, tomei banho, fiz a barba. Fiz curativos, coloquei meus dedos no lugar (o que doeu muito e agora minha mão está inchada). Acho que vou ao médico.
05 de maio
Uma mão engessada até perto do cotovelo, alguns pontos no rosto e no peito, mas estou fisicamente saudável. Ele me indicou um psiquiatra. Fui no mesmo dia e ele me veio com a conversa de "análise" e "tempo pra avaliar". Não sei o que fazer, tenho fome.
06 de maio
Voltei ao trabalho apenas para ser demitido com justa causa, o que não foi surpresa. Deixei tudo o que tinha lá. Acho que vou mudar de casa também. Preciso pensar, a fome incomoda muito.
07 de maio
Como tudo que ficará nesta casa para quem abri-la um dia, este diário também ficará. Tudo referente ao periodo anterior da fome foi queimado, junto com os diários dos anos anteriores. Daqui nada levo, não deixo dívidas e nem responsabilidades. Parto daqui com fome. Tenho fome.
Tenho fome.
20091014
No restaurante chinês - parte II - Depois do restaurante
Seguiu para o norte da cidade, intrigado com o que o velho do olho feio havia lhe dito. Tempo pode ser muito relativo ao que se está fazendo, nem sempre um tempo de diversão passa rápido. Naquele momento estava mais entediado do que qualquer outra coisa, não havia muito a se fazer então continuou seguindo o norte (o que é deveras fácil naquela cidade cercada por montanhas e com uma leve inclinação naquela direção). Parou em um semáforo, impaciente sem motivo já que não havia o por que de tanta pressa. Olhando para os lados, como as pessoas apressadas costumam fazer quando estão impedidas de seguir em frente, viu uma pequena loja com grandes vitrines.
A loja era toda branca, desde as paredes até o conteúdo em exibição. Ali eram vendidas cortinas e roupas de cama, mas estranhamente todas brancas. Também notou que na vitrine haviam dois manequins, um com um vestido que lembrava um vestido de noiva colado ao corpo atlético sintético e sem cabeça, o outro da mesma maneira, mas trajando um fraque branco que caía perfeitamente no modelo.
De uma janela próxima, no alto do prédio talvez, começou a ouvir o gemido de uma guitarra reggae cadenciando a voz afro da canção. Era uma tarde morna e diante daquela cena, parou por um instante esquecendo do mundo ao seu redor. Dentro da loja uma mulher entrava por uma porta nos fundos e caminhava entre as prateleiras alisando os tecidos suavemente, cabeça baixa e cabelo cobrindo o rosto. Ela se vestia toda de preto, uma saia de um tecido leve e brilhoso como seda, uma blusa do mesmo material mas com bordados e pequenos babados. Um par de sapatos de salto alto, toda peça de roupa e acessório da mesma cor dos cabelos cortados na altura dos ombros, contrastando com a pele branca que evitou o sol por muito tempo.
Seu passo era triste e lento, as mãos que tocavam os produtos da loja eram pequenas. Uma presença intrigante naquele pequeno mundo branco exposto ao mundo através daquelas enormes vitrines. Ela pára de repente, maneia a cabeça como que para ouvir algo, como se percebesse algo muito sutil se aproximando, seguia se movimentando com leveza e cautela. Olhou fixo para ele. O rosto sério, os olhos orientais abertos e sobrancelhas finas e bem cuidadas. Ela andou em direção à vitrine como um anjo negro andando através de nuvens de cortina e lençóis. Entre os dois manequins, ela põe as mãos no vidro, como que esperando que o gesto fosse retribuído, mas antes que qualquer reação fosse esboçada por ele, os olhos dela se contorceram e a boca entortou como que em dor. Há um grito silencioso sendo emitido, dentro da loja com certeza está ecoando com todas as forças daquela garganta delicada, mas do lado de fora os únicos sons são o reggae da janela e o vento nas folhas das árvores, um motor de carro distante a respiração dele mesmo.
Ela grita apoiada na vitrine. Ele finalmente entende a situação, seu cérebro processa que aquilo é de fato real , seus olhos se movem muito rápido, assustados e um calafrio lhe sobe a espinha. Virando noventa graus, atravessa a rua o mais rápido que pode, sente a necessidade animal de fugir daquela cena, daquela pequena loucura perdida em um cantinho do mundo. Não olha para trás, apressando o passo, mas vê claramente em sua mente que a mulher está de joelhos, com as mãos apoiadas na vitrine, chorando. Enchendo a bainha por fazer do manequim de fraque de lágrimas. Segue em frente, com medo.
A loja era toda branca, desde as paredes até o conteúdo em exibição. Ali eram vendidas cortinas e roupas de cama, mas estranhamente todas brancas. Também notou que na vitrine haviam dois manequins, um com um vestido que lembrava um vestido de noiva colado ao corpo atlético sintético e sem cabeça, o outro da mesma maneira, mas trajando um fraque branco que caía perfeitamente no modelo.
De uma janela próxima, no alto do prédio talvez, começou a ouvir o gemido de uma guitarra reggae cadenciando a voz afro da canção. Era uma tarde morna e diante daquela cena, parou por um instante esquecendo do mundo ao seu redor. Dentro da loja uma mulher entrava por uma porta nos fundos e caminhava entre as prateleiras alisando os tecidos suavemente, cabeça baixa e cabelo cobrindo o rosto. Ela se vestia toda de preto, uma saia de um tecido leve e brilhoso como seda, uma blusa do mesmo material mas com bordados e pequenos babados. Um par de sapatos de salto alto, toda peça de roupa e acessório da mesma cor dos cabelos cortados na altura dos ombros, contrastando com a pele branca que evitou o sol por muito tempo.
Seu passo era triste e lento, as mãos que tocavam os produtos da loja eram pequenas. Uma presença intrigante naquele pequeno mundo branco exposto ao mundo através daquelas enormes vitrines. Ela pára de repente, maneia a cabeça como que para ouvir algo, como se percebesse algo muito sutil se aproximando, seguia se movimentando com leveza e cautela. Olhou fixo para ele. O rosto sério, os olhos orientais abertos e sobrancelhas finas e bem cuidadas. Ela andou em direção à vitrine como um anjo negro andando através de nuvens de cortina e lençóis. Entre os dois manequins, ela põe as mãos no vidro, como que esperando que o gesto fosse retribuído, mas antes que qualquer reação fosse esboçada por ele, os olhos dela se contorceram e a boca entortou como que em dor. Há um grito silencioso sendo emitido, dentro da loja com certeza está ecoando com todas as forças daquela garganta delicada, mas do lado de fora os únicos sons são o reggae da janela e o vento nas folhas das árvores, um motor de carro distante a respiração dele mesmo.
Ela grita apoiada na vitrine. Ele finalmente entende a situação, seu cérebro processa que aquilo é de fato real , seus olhos se movem muito rápido, assustados e um calafrio lhe sobe a espinha. Virando noventa graus, atravessa a rua o mais rápido que pode, sente a necessidade animal de fugir daquela cena, daquela pequena loucura perdida em um cantinho do mundo. Não olha para trás, apressando o passo, mas vê claramente em sua mente que a mulher está de joelhos, com as mãos apoiadas na vitrine, chorando. Enchendo a bainha por fazer do manequim de fraque de lágrimas. Segue em frente, com medo.
20090716
Mais um sonho
Eu sonhei que eu a salvava, ela estava num meio nocivo, ruim. Sempre tenho um pouco esse lado paternalista, esse protecionismo todo, acho que é pela ausência paterna (biologicamente falando, por que eu tive meus "pais", tios e avô queridos). Mas então, eu a tirava de lá e quando na verdade minha intenção era deixa-lá por ali para ser destruída com tudo o que vinha abaixo... E ela se agarrava em mim, e de repente nos tínhamos um laço, um compromisso.
Na cena seguinte meus amigos, minha banda daqui desse lado do mundo está na casa dela, uma sala cor de rosa, com a tinta já velha, uma estante de madeira e uma TV, eles jogavam ávidos um jogo qualquer. E ela vinha do quarto, simples e tranquila. Eles perguntavam se ela tinha emagrecido, ela disse algo que eu não entendi. Saímos da sala somente os dois, fomos para o jardim que parecia muito com o jardim da minha casa de Manaus, 15 anos atrás.
E ela me olhou com aqueles olhinhos puxados, aquele rosto de anjo oriental e eu me senti tão feliz por ela estar ali. Mas ao mesmo tempo me veio a súbita consciência de que eu não a conhecia. Não tínhamos assunto. Tinha algo que nos prendia Ela me pergunta em japonês se eu acho que ela emagreceu e sorri. Eu acordo.
Acordo e penso muito a respeito. Quem será essa pessoa? Eu quase posso lembrar do rosto, como um kanji que eu não estudei, não posso escrever, mas se vê-lo posso lembrar e ler. Não é ninguém de antes. Não é quem eu encontro casualmente. Me acanho com meu futuro. Mas fico feliz de lembrar que mesmo que somente pelo tempo da duração de um sonho, meu coração pode se apaixonar bestamente e me trazer tanta felicidade que meu dia se torna melhor.
Na cena seguinte meus amigos, minha banda daqui desse lado do mundo está na casa dela, uma sala cor de rosa, com a tinta já velha, uma estante de madeira e uma TV, eles jogavam ávidos um jogo qualquer. E ela vinha do quarto, simples e tranquila. Eles perguntavam se ela tinha emagrecido, ela disse algo que eu não entendi. Saímos da sala somente os dois, fomos para o jardim que parecia muito com o jardim da minha casa de Manaus, 15 anos atrás.
E ela me olhou com aqueles olhinhos puxados, aquele rosto de anjo oriental e eu me senti tão feliz por ela estar ali. Mas ao mesmo tempo me veio a súbita consciência de que eu não a conhecia. Não tínhamos assunto. Tinha algo que nos prendia Ela me pergunta em japonês se eu acho que ela emagreceu e sorri. Eu acordo.
Acordo e penso muito a respeito. Quem será essa pessoa? Eu quase posso lembrar do rosto, como um kanji que eu não estudei, não posso escrever, mas se vê-lo posso lembrar e ler. Não é ninguém de antes. Não é quem eu encontro casualmente. Me acanho com meu futuro. Mas fico feliz de lembrar que mesmo que somente pelo tempo da duração de um sonho, meu coração pode se apaixonar bestamente e me trazer tanta felicidade que meu dia se torna melhor.
20090701
No restaurante chinês - parte I
Sentou-se no balcão, espremido entre a janela frontal da pequena loja e da cozinha, perto das enormes frigideiras. Felizmente que nada cheirava à óleo ou gordura, pelo menos até onde se podia enxergar, era tudo limpo, apesar de mal iluminado pro lâmpadas incandescentes. O menuzinho à sua frente não tinha figuras, até os preços estavam em kanji. Tentou encontrar alguns familiares mas sem muito sucesso, apenas pediu 'Gyoza setto, onegaishimasu. Gohan wa emu saizu'. Gyoza e arroz médio, tudo num conjunto com um preço acessível.
Até aquele momento só haviam dois clientes no pequeno restaurante. Já tinha estado ali antes com uma amiga, parecia ser o tipo de lugar frequentado principalmente por gente solteira, sem tempo ou paciência para cozinhar. Mas o gosto era bom, parecia limpo e os preços razoáveis. O segundo cliente, um velho, olhou para ele, um olho com marcas vermelhas ao redor. O outro roxo. Parecia ter brigado, brigado feio - e apanhado. O velho desviou o olhar inexpressivo.
Abriu o seu livro encontrado na caixa de despejo de livros da universidade. Era "O completo guia da Terra-Média" um exemplar raro e bem feito, produzido sob a forma de dicionário com tudo sobre a obra de Tolkien, para qualquer fã, um item pra lá de interessante. A senhora que atendia o restaurante trouxe a primeira parte da porção pedida: molho para gyoza num pireszinho, uma bola de salada que mais parecia uma bola de sorvete que não derretia e o arroz, tigela média. Alguns minutos depois, o homem por trás das frigideiras por trás do balcão entregou os gyozas, ficou feliz, pois estava com muita fome e com um desejo impassível de comer aquilo.
O restaurante começou a encher, como que para confirmar sua teoria sobre o lugar ser um antro de solteiros sem habilidades culinárias ou paciência, todos os clientes eram homens desarrumados, alguns de terno, deixando o paletó de lado, alguns estudantes. Concentrou-se na comida e abriu o livro novamente para ignorar o nojento som do cliente mais próximo comendo lámen. Hábito cultural do qual se é impossível de acostumar quando se tem o mínimo de maneiras à mesa, a moda ocidental, claro.
Terminou o prato, estufado, pegou o livro e começou a ler a definição de Nazgul enquanto relaxava tomando o chá frio e sem açúcar servido ali. Quando estava chegando ao final do verbete, percebeu que o velho tinha sentado sorrateiramente a um banco de distância e estava lhe encarando, o olho roxo e inchado se mexendo rápido, enquanto o outro olho, nem tão saudável, estava impassível.
"Estudante estrangeiro?" perguntou o velho, sem usar nenhuma formalidade típica da língua, usada principalmente com desconhecidos e com "superiores".
"Sim." limitou-se a responder. Apesar de ter olhado de relance para o velho, preferiu continuar olhando para as páginas amareladas do livro. Sentia que se olhasse muito aquele olho machucado, os gyozas iriam tentar voltar para o prato.
"E fora estudo, procura algo mais? O que trouxe você ao nosso país?"
Refletiu por um momento, surpreendeu-se mais em ter entendido o dialeto e a voz enferrujada do velho do que com a pergunta. Já estava acostumado com esse tipo de pergunta, provavelmente a próxima seria "Quando você volta pro seu país?" ou algo do tipo.
"Creio eu que, haja muito mais do que você percebe por aqui. Não seria sábio e nem proveitoso voltar para seu país antes de saber do que estou falando. Até o ano que vem pode não ser o suficiente."
Agora se espantou de verdade. Não pôde conter arregalar os olhos. Como ele sabia?
"Este olho tudo vê, meu amigo."
E rindo o velho apontava para o olho roxo, aonde a pupila se debatia freneticamente dentro do globo ocular. O roxo inchado cheio de rugas de quem viveu muito.
"Eu..." Faltaram-lhe palavras do idioma local, tentou formar a estrutura da sentença mas não encontrava as palavras para colocar na ordem certa. Nem lhe vinham à mente os verbos que deveriam ser flexionados para responder.
"A chuva está forte hoje. O céu se zanga nas montanhas e vem descontar na cidade. É bom tomar cuidado." Dito isso, deixou uma nota de mil ienes no balcão, embaixo da nota cheia de kanjis rabiscados apressadamente pela garçonete. O velho deixou a loja e um rapaz assustado.
Mais tarde refletia sobre aquele começo de noite. E sobre seus planos. O que haveria por acontecer?
Até aquele momento só haviam dois clientes no pequeno restaurante. Já tinha estado ali antes com uma amiga, parecia ser o tipo de lugar frequentado principalmente por gente solteira, sem tempo ou paciência para cozinhar. Mas o gosto era bom, parecia limpo e os preços razoáveis. O segundo cliente, um velho, olhou para ele, um olho com marcas vermelhas ao redor. O outro roxo. Parecia ter brigado, brigado feio - e apanhado. O velho desviou o olhar inexpressivo.
Abriu o seu livro encontrado na caixa de despejo de livros da universidade. Era "O completo guia da Terra-Média" um exemplar raro e bem feito, produzido sob a forma de dicionário com tudo sobre a obra de Tolkien, para qualquer fã, um item pra lá de interessante. A senhora que atendia o restaurante trouxe a primeira parte da porção pedida: molho para gyoza num pireszinho, uma bola de salada que mais parecia uma bola de sorvete que não derretia e o arroz, tigela média. Alguns minutos depois, o homem por trás das frigideiras por trás do balcão entregou os gyozas, ficou feliz, pois estava com muita fome e com um desejo impassível de comer aquilo.
O restaurante começou a encher, como que para confirmar sua teoria sobre o lugar ser um antro de solteiros sem habilidades culinárias ou paciência, todos os clientes eram homens desarrumados, alguns de terno, deixando o paletó de lado, alguns estudantes. Concentrou-se na comida e abriu o livro novamente para ignorar o nojento som do cliente mais próximo comendo lámen. Hábito cultural do qual se é impossível de acostumar quando se tem o mínimo de maneiras à mesa, a moda ocidental, claro.
Terminou o prato, estufado, pegou o livro e começou a ler a definição de Nazgul enquanto relaxava tomando o chá frio e sem açúcar servido ali. Quando estava chegando ao final do verbete, percebeu que o velho tinha sentado sorrateiramente a um banco de distância e estava lhe encarando, o olho roxo e inchado se mexendo rápido, enquanto o outro olho, nem tão saudável, estava impassível.
"Estudante estrangeiro?" perguntou o velho, sem usar nenhuma formalidade típica da língua, usada principalmente com desconhecidos e com "superiores".
"Sim." limitou-se a responder. Apesar de ter olhado de relance para o velho, preferiu continuar olhando para as páginas amareladas do livro. Sentia que se olhasse muito aquele olho machucado, os gyozas iriam tentar voltar para o prato.
"E fora estudo, procura algo mais? O que trouxe você ao nosso país?"
Refletiu por um momento, surpreendeu-se mais em ter entendido o dialeto e a voz enferrujada do velho do que com a pergunta. Já estava acostumado com esse tipo de pergunta, provavelmente a próxima seria "Quando você volta pro seu país?" ou algo do tipo.
"Creio eu que, haja muito mais do que você percebe por aqui. Não seria sábio e nem proveitoso voltar para seu país antes de saber do que estou falando. Até o ano que vem pode não ser o suficiente."
Agora se espantou de verdade. Não pôde conter arregalar os olhos. Como ele sabia?
"Este olho tudo vê, meu amigo."
E rindo o velho apontava para o olho roxo, aonde a pupila se debatia freneticamente dentro do globo ocular. O roxo inchado cheio de rugas de quem viveu muito.
"Eu..." Faltaram-lhe palavras do idioma local, tentou formar a estrutura da sentença mas não encontrava as palavras para colocar na ordem certa. Nem lhe vinham à mente os verbos que deveriam ser flexionados para responder.
"A chuva está forte hoje. O céu se zanga nas montanhas e vem descontar na cidade. É bom tomar cuidado." Dito isso, deixou uma nota de mil ienes no balcão, embaixo da nota cheia de kanjis rabiscados apressadamente pela garçonete. O velho deixou a loja e um rapaz assustado.
Mais tarde refletia sobre aquele começo de noite. E sobre seus planos. O que haveria por acontecer?
20090622
Música do Brasil ou do Mundo?
A luz reflete no cinza metálico e o faz parecer um pouco avermelhado. Brian Wilson atenua o tom e o tempo em Good Vibrations, os outros músicos se juntam a ele formando um bonito coral.
Assisti The Blue Brothers novamente. Dessa vez sem aquela dublagem dos anos 80 que eu adoro, mas com tudo original. Fiquei pensando. Tem uma hora que aparece uns caras tocando blues na rua e tal, e isso rola mesmo por que naquele filme do U2 eles também encontram um vovô cantando "Freedom for my people"... Isso é a cultura de rua americana, o som típico deles, em míudos, o samba deles. Algo que nasceu no meio do povo. Aí fiquei imaginando se no Brasil o filme seria Os Irmãos do Samba ou algo assim e o John Belushi vestido de terninho branco com camisa listrada por dentro e aquele chapeuzinho, também branco, de samba. O típico malandro. E aí eles cantariam Cartola, Fundo de Quintal e outras coisas que são consideradas samba "de verdade". Não MPB, MPB é pedantezona, se faz de malandro mas é universitário, foi todo mundo subversivo e faziam letras de protesto rá rá rá. Brincadeira, mas MPB, ao meu ver, embora se relacione muito com samba, não é a mesma coisa e nem fala das mesmas coisas com a mesma simplicidade. Música Pedante Brasileira, coisa de gente cult rá rá.
Lógico que eu não tenho autoridade nenhuma pra falar dessas coisas. Mas o blog é meu e eu falo o que eu quiser. Rá! Furei o olho, tô nem aí. Mas voltando, sou o menos indicado pra falar dessas coisas, mas faço uso da boa lógica da Sr. Spock. A grama de vizinho é mais verde, tem mais CDs e mais qualidade musical. Será? Samba é super difícil de tocar, eu nunca aprendi as dissonantes no violão. Chorinho então nem... As letras, tem muitas bonitas, bonitas mesmo. O que falta pra se gostar de música brasileira? Tipo, ser um negócio que tá por aí e pode crer (uó esse comentário hehehe). Mas sério, por que não me atraiu? Por que eu me identifico mais com o sentimentalismo exagerado e os devaneios culturais do Reino Unido e dos Estados Unidos? Aonde foi que eu errei?
Bom, falta de patriotismo não é. E eu escuto algumas coisas. Tipo, 5% dos meus 60 GB de mp3 são de música brasileira, sem contar o Raimundos que eu adoro e o "rock nacional" e seus representantes. Raul Seixas é o que mesmo? E Mutantes? Nem sei a classificação. Mutantes deve ser Música de Puxar Baseado - MPB, mas é legal pra caramba. Rita Lee, não. Muito trash. Jovem Guarda, quero distância. Só copiavam músicas dos Beatles e Beach Boys e trocavam as letras - coisa que aliás o Humberto Gessinger também fez pra pegar uma meinha no começo do Engenheiros.
Leds laranjas e verdes piscam perto do monitor. Queria um led azul moderno e bonitinho. Ele consome 3 volts em vez de 1,5. Aprendi isso por causa dos pedais que me meti a fazer.
As vezes penso na cultura americana como o Império Romano. Se espalhou bicho. Quando a gente nasceu a merda já tava feita. Tava todo mundo falando Latim, da península Ibérica à Xangai. Porra, vamo boicotar esse Julio César e tal, tenho um brother chamado Brutus que disse que dá jeito dele pianinho pianinho. Mas não adiantou nada. Todo mundo continou falando Latim. Aí Latim virou francês, português, espanhol, italiano... E português-br, como tá nas configurações do windows. É besteira gostar das coisas americanas? Bom, mesmo que apareça um Brutus pra dar jeito na única indústria de cinema que tem grana pra coisas astronômicas como Senhor dos Anéis e nas cacetadas de bandas que você ouve e nem sabe (como no caso da Jovem Copia-Cola-e-Traduz Guarda). Tem jeito não. Nirvana é legal. Ramones é legal. Rocket From The Crypt então é bom demais. Tem jeito?
Mas vou colocar um cd do Vinicius de Moraes aqui pra ninguém dizer que não cumpri com minhas obrigações. Rá rá.
Assisti The Blue Brothers novamente. Dessa vez sem aquela dublagem dos anos 80 que eu adoro, mas com tudo original. Fiquei pensando. Tem uma hora que aparece uns caras tocando blues na rua e tal, e isso rola mesmo por que naquele filme do U2 eles também encontram um vovô cantando "Freedom for my people"... Isso é a cultura de rua americana, o som típico deles, em míudos, o samba deles. Algo que nasceu no meio do povo. Aí fiquei imaginando se no Brasil o filme seria Os Irmãos do Samba ou algo assim e o John Belushi vestido de terninho branco com camisa listrada por dentro e aquele chapeuzinho, também branco, de samba. O típico malandro. E aí eles cantariam Cartola, Fundo de Quintal e outras coisas que são consideradas samba "de verdade". Não MPB, MPB é pedantezona, se faz de malandro mas é universitário, foi todo mundo subversivo e faziam letras de protesto rá rá rá. Brincadeira, mas MPB, ao meu ver, embora se relacione muito com samba, não é a mesma coisa e nem fala das mesmas coisas com a mesma simplicidade. Música Pedante Brasileira, coisa de gente cult rá rá.
Lógico que eu não tenho autoridade nenhuma pra falar dessas coisas. Mas o blog é meu e eu falo o que eu quiser. Rá! Furei o olho, tô nem aí. Mas voltando, sou o menos indicado pra falar dessas coisas, mas faço uso da boa lógica da Sr. Spock. A grama de vizinho é mais verde, tem mais CDs e mais qualidade musical. Será? Samba é super difícil de tocar, eu nunca aprendi as dissonantes no violão. Chorinho então nem... As letras, tem muitas bonitas, bonitas mesmo. O que falta pra se gostar de música brasileira? Tipo, ser um negócio que tá por aí e pode crer (uó esse comentário hehehe). Mas sério, por que não me atraiu? Por que eu me identifico mais com o sentimentalismo exagerado e os devaneios culturais do Reino Unido e dos Estados Unidos? Aonde foi que eu errei?
Bom, falta de patriotismo não é. E eu escuto algumas coisas. Tipo, 5% dos meus 60 GB de mp3 são de música brasileira, sem contar o Raimundos que eu adoro e o "rock nacional" e seus representantes. Raul Seixas é o que mesmo? E Mutantes? Nem sei a classificação. Mutantes deve ser Música de Puxar Baseado - MPB, mas é legal pra caramba. Rita Lee, não. Muito trash. Jovem Guarda, quero distância. Só copiavam músicas dos Beatles e Beach Boys e trocavam as letras - coisa que aliás o Humberto Gessinger também fez pra pegar uma meinha no começo do Engenheiros.
Leds laranjas e verdes piscam perto do monitor. Queria um led azul moderno e bonitinho. Ele consome 3 volts em vez de 1,5. Aprendi isso por causa dos pedais que me meti a fazer.
As vezes penso na cultura americana como o Império Romano. Se espalhou bicho. Quando a gente nasceu a merda já tava feita. Tava todo mundo falando Latim, da península Ibérica à Xangai. Porra, vamo boicotar esse Julio César e tal, tenho um brother chamado Brutus que disse que dá jeito dele pianinho pianinho. Mas não adiantou nada. Todo mundo continou falando Latim. Aí Latim virou francês, português, espanhol, italiano... E português-br, como tá nas configurações do windows. É besteira gostar das coisas americanas? Bom, mesmo que apareça um Brutus pra dar jeito na única indústria de cinema que tem grana pra coisas astronômicas como Senhor dos Anéis e nas cacetadas de bandas que você ouve e nem sabe (como no caso da Jovem Copia-Cola-e-Traduz Guarda). Tem jeito não. Nirvana é legal. Ramones é legal. Rocket From The Crypt então é bom demais. Tem jeito?
Mas vou colocar um cd do Vinicius de Moraes aqui pra ninguém dizer que não cumpri com minhas obrigações. Rá rá.
20090615
Sintonia
Laboratório. Na verdade, sala de estudos: computadores, livros, escrivaninhas - umas organizadas, outras nem um pouco. Milhões de papéis, cds, velhos drives de disquete 3,5 e 5&1/4 pegando poeira em cima de alguns armários. No iMac no centro da sala, perto da grande mesa usada para refeições apressadas ou conversa fiada no fim do dia aqueles tentáculos se debatem, saindo de uma bola de carne e músculos estranha que brilha em preto, branco e infra-vermelho. Com as forças que estão sendo manipuladas, a realidade pisca por alguns instantes e as cores se invertem como em um velho negativo de filme fotográfico.
Os colegas não dão a mínima, Alex também parece completamente despreocupado, mas nota o acontecimento. Alguém está simplesmente realizando um experimento. Mas quem? Súbito, do portal da luz por onde a forma de vida se debate, sai um homem, vestindo um jaleco branco de laboratório. Ele tem rosto ocidental. Não é japonês, não fala japonês e sim português, mas sem o sotaque detestável de qualquer região, algo linear como Willian Boner apresentando o Jornal Nacional.
Ele sai do portal zonzo, parece que vai cair a qualquer momento. Embora não haja nenhuma marca e nem fumaça, ele dá a impressão de ter sido chamuscado, provavelmente em sua viagem interdimensional. Os membros do laboratório continuam impassíveis, concentrados em seus afazeres ou procrastinações. Alex levanta. O homem de jaleco olha zonzo, poderia dizer que andou bebendo, mas os olhos mostram que uma longa jornada se empreendeu, mas não se sabe aonde e nem por quanto tempo.
"É tudo uma questão de sintonia, Alex... É tudo uma questão de onde você quer se ligar, do que você quer sentir..."
E naquele momento com aquelas palavras, a sensação de terror outrora ignorada ou simplesmente despercebida ataca o coração do rapaz, junto com um assombro digno do entendimento. Alex compreende, Alex sabe. Entende o que o homem diz. E quando acordou no seu quarto aquela manhã já clara desde as 4:30 por causa da primavera, seu dia foi um pouco mais feliz.
Os colegas não dão a mínima, Alex também parece completamente despreocupado, mas nota o acontecimento. Alguém está simplesmente realizando um experimento. Mas quem? Súbito, do portal da luz por onde a forma de vida se debate, sai um homem, vestindo um jaleco branco de laboratório. Ele tem rosto ocidental. Não é japonês, não fala japonês e sim português, mas sem o sotaque detestável de qualquer região, algo linear como Willian Boner apresentando o Jornal Nacional.
Ele sai do portal zonzo, parece que vai cair a qualquer momento. Embora não haja nenhuma marca e nem fumaça, ele dá a impressão de ter sido chamuscado, provavelmente em sua viagem interdimensional. Os membros do laboratório continuam impassíveis, concentrados em seus afazeres ou procrastinações. Alex levanta. O homem de jaleco olha zonzo, poderia dizer que andou bebendo, mas os olhos mostram que uma longa jornada se empreendeu, mas não se sabe aonde e nem por quanto tempo.
"É tudo uma questão de sintonia, Alex... É tudo uma questão de onde você quer se ligar, do que você quer sentir..."
E naquele momento com aquelas palavras, a sensação de terror outrora ignorada ou simplesmente despercebida ataca o coração do rapaz, junto com um assombro digno do entendimento. Alex compreende, Alex sabe. Entende o que o homem diz. E quando acordou no seu quarto aquela manhã já clara desde as 4:30 por causa da primavera, seu dia foi um pouco mais feliz.
20090606
For Tension
Descendo a ladeira de perto de sua casa, vai lembrando atentamente da canção:
I've got bruises from where you brushed against me
They feel good and i'm history
Engraçado sentir-se assim, encontrar referências em algo tão distante de seu cotidiano. Alguém em outro lugar distante, com outra vida, escreveu essas coisas. Será que passou pelo mesmo? De forma bem parecida ou nada a ver? Será que o autor só imaginou?
Here comes a shower of sparks
That will one day give us away
Tudo bem, esta parte não lembra nada, mas o ritmo não sai da cabeça. Aquelas linhas decoradas, encontradas na internet por falta de habilidade com o inglês. Antes já gostava da música embora não entendesse bem, mas agora que viu que tem algo a ver, ficou mais feliz. Chegando no fim da ladeira, segue por uma ruazinha que só tem casas de um lado, do outro há um terreno baldio. Tão comum essa paisagem... Tantos lugares na cidade tem essa mesma paisagem. As árvores, o mato crescendo e o lixo abandonado pelos moradores.
For tension, Guess what i use?
For tension, You can use me
For tension, Your attention
For tension your attention's all i ever need
Ah, aqui ele alonga no final, tipo, eveeeeeeer. É um cantor muito bom, a voz dele é diferente, mas ele sabe usar, ele sabe cantar. Enquanto atravessa o terreno baldio pra pegar o atalho pensa como seria bom descarregar a tensão mesmo. Mas a atenção de alguém em especial se faz desnecessária. Esse alguém não merece a atenção de ninguém. E nem que alguém receba sua atenção. Não. Lembrou de outra música "Ódio, ódio, ódio". Mas concentra-se e desvia das poças de lama do atalho que atravessa o terreno baldio.
Do something wrong you must be joking
Do something right i'm only kidding myself
You take a look down off the shelf
And change address and i can't help myself
Ah, isso sim! Isso é muito verdadeiro. É tão difícil saber o que fazer. Quando era criança achava que os adultos sempre sabiam o que fazer. Algo do tipo, agora eu tenho 22, 27, 35 anos, sei lá, eu já sei o que fazer da minha vida. Eu sei como me comportar e como agir, o que fazer certo e o que não fazer errado. A decepção foi ver que a maioria dos adultos é mais perdida que a maioria das crianças... Que ninguém tem certeza de nada. Mas segue-se com a vida. E no fim do terreno baldio, a outra ruazinha leva pra padaria. Segue balançando a cabeça negativamente.
For tension your attention's all i never need
Conclui que é realmente isso. A melhor coisa foi o que aconteceu. Uma vez leu que a iluminação pode vir a qualquer momento, não escolhe situação. No mesmo dia dizia que uma vez um mulher teve a iluminação total enquanto lavava as louças. Deve ser verdade, por que agora, recebendo aquele saco de papel marrom, cheio de pães pro jantar, percebeu o quanto deveria ter largado tudo há tempos atrás. E aí, começou a lembrar de outras canções. E voltou feliz.
I've got bruises from where you brushed against me
They feel good and i'm history
Engraçado sentir-se assim, encontrar referências em algo tão distante de seu cotidiano. Alguém em outro lugar distante, com outra vida, escreveu essas coisas. Será que passou pelo mesmo? De forma bem parecida ou nada a ver? Será que o autor só imaginou?
Here comes a shower of sparks
That will one day give us away
Tudo bem, esta parte não lembra nada, mas o ritmo não sai da cabeça. Aquelas linhas decoradas, encontradas na internet por falta de habilidade com o inglês. Antes já gostava da música embora não entendesse bem, mas agora que viu que tem algo a ver, ficou mais feliz. Chegando no fim da ladeira, segue por uma ruazinha que só tem casas de um lado, do outro há um terreno baldio. Tão comum essa paisagem... Tantos lugares na cidade tem essa mesma paisagem. As árvores, o mato crescendo e o lixo abandonado pelos moradores.
For tension, Guess what i use?
For tension, You can use me
For tension, Your attention
For tension your attention's all i ever need
Ah, aqui ele alonga no final, tipo, eveeeeeeer. É um cantor muito bom, a voz dele é diferente, mas ele sabe usar, ele sabe cantar. Enquanto atravessa o terreno baldio pra pegar o atalho pensa como seria bom descarregar a tensão mesmo. Mas a atenção de alguém em especial se faz desnecessária. Esse alguém não merece a atenção de ninguém. E nem que alguém receba sua atenção. Não. Lembrou de outra música "Ódio, ódio, ódio". Mas concentra-se e desvia das poças de lama do atalho que atravessa o terreno baldio.
Do something wrong you must be joking
Do something right i'm only kidding myself
You take a look down off the shelf
And change address and i can't help myself
Ah, isso sim! Isso é muito verdadeiro. É tão difícil saber o que fazer. Quando era criança achava que os adultos sempre sabiam o que fazer. Algo do tipo, agora eu tenho 22, 27, 35 anos, sei lá, eu já sei o que fazer da minha vida. Eu sei como me comportar e como agir, o que fazer certo e o que não fazer errado. A decepção foi ver que a maioria dos adultos é mais perdida que a maioria das crianças... Que ninguém tem certeza de nada. Mas segue-se com a vida. E no fim do terreno baldio, a outra ruazinha leva pra padaria. Segue balançando a cabeça negativamente.
For tension your attention's all i never need
Conclui que é realmente isso. A melhor coisa foi o que aconteceu. Uma vez leu que a iluminação pode vir a qualquer momento, não escolhe situação. No mesmo dia dizia que uma vez um mulher teve a iluminação total enquanto lavava as louças. Deve ser verdade, por que agora, recebendo aquele saco de papel marrom, cheio de pães pro jantar, percebeu o quanto deveria ter largado tudo há tempos atrás. E aí, começou a lembrar de outras canções. E voltou feliz.
20090130
Os animais (1)
Um porquinho gordinho e bochechudo andava pela praia quando viu uma arara. A arara estava empoleirada graciosa e contente tomando banho de sol de olhos fechados e meditando profundamente sobre o tempo, o espaço e a fronteira final no que concerne ao mundo das araras. O porquinho admirou a cena por vários minutos ate que se entediou com o barulho do mar e foi ter com a arara:
- Oi!
- Ola... - disse a arara abrindo os olhos e cocando as asas com o bico.
- Quer ser meu amigo?
- O certo eh amiga.
- Que? - indagou o rechonchudo porco.
- Sou uma fêmea. Então eh amiga. Voce tem que perguntar se eu quero ser sua amiga.
- Ah.
- LogicoquesendoeuumaararaeapalavraararaemportuguesterminacomaelevaacrerquesempresefalaAararaenaoo araravocetentouseratecondizenteesimpaticoeissoehmuitobomporqueestemundoestacheiodegenteperversae...
- Mas entao? - intorrempeu o rolico suino.
- Entao o que?
- Quer ser minhA amigA?
- Tudo bem! Voce gosta de conversar? E de ouvir? Eh que eu falo muito as vezes. Eu medito sobre o tempo, o espaço e a fronteira final no que concerne ao mundo das araras e portanto sempre tenho muito a falar.
- Ah. OK. Eu sou um bom ouvido, eu acho. Pelo menos para um porco.
- Que bom. Agora que somos amigos o que vamos fazer?
- Essa praia eh bonita.
- Eh.
- Vamos passear na areia perto do mar!
- Claro. Se importa de eu voar?
- Mas eu nao vou poder acompanhar sua velocidade!
- Hum. Eh verdade. O meu deslocamento mínimo necessário para manter um sobrevoo constante depende de uma velocidade que via terrestre se torna incompatível, especialmente para suas pernas de porquinho. E que perninhas gordinhas!
- Eh. Eh meu pernil. Meu presuntinho. Um porquinho deve estar sempre em forma.
- Bom, bom. OK, nao eh comum para araras mas andarei com voce. Eh um pouco dificultoso para mim, sabe? Tudo que os passaros fazem eh voar e dar pulinhos. Isso desconsiderando as galinhas, os galos, as picotas, enfim os galinaceos em geral. Com a domesticação se perdeu a essência desses bichos.
- A essência deles agora fica na panela - replicou o suíno arredondado.
- Muito verdade meu caro amigo! Sabe que me cansa andar? Poderia eu me empoleirar em suas costas?
- Mas ai voce vai me machucar com essas unhas! Vai dilacerar minha costinha e rasgar meu lombinho! - protestou o nariz-de-tomada como se essa lógica fosse a coisa mais obvia do mundo. E de fato o era.
- Bem verdade meu amigo rosado! Bem verdade. Por voce e por nossa amizade continuarei andando. Mas oh! Veja la que vem um cao! Um cachorro! E que triste parece!
- Sim, o que sera que houve?
- Ola meu canino amigo, que bons ventos marítimos o trazem a esta bela praia neste belo dia?
- Ah, ai de mim! Sofro com o resignio em meu coração! - E caiu em prantos, ganindo baixinho.
- Mas que cachorro eloqüente! - disse o porquinho arregalando os olhinhos, o que fazia com que sua bochecha ficasse ainda mais redonda.
- Eloqüência pode ser adquirida facilmente e nao significa exatamente inteligência! - disse de pronto a arara empinando o bico.
- Oh, deixai-me aqui, deixai-me morrer pela mare, que ela me leve ao fundo do submerso e que eu me afogue em desespero e agonia, ganindo bolhas de dor enquanto o sal embalsama o meu corpo maldito! Ai de mim, que desgraçado eu sou!
- Acho que ele eh eloqüente, ainda assim. (E dramático...) - sussurrou o porco a sua amiga penosa e colorida.
- Creio que ao menos possamos saber o que se deu por ocorrido, qual a desgraca que se abateu sobre o nosso irmão. Diga, meu amigo, diga para que seus parentes do reino animalia nao fiquem sem propósito, pois isso seria um despropósito e uma ignomínia. Onde ja se viu encontrar alguem sofrendo e nao saber a causa para poder ajudar. Nos, que voamos ao ceu, somos seres puros de coração e pequenos de estômago. Diga la.
- Eu nao vôo... - disse o porquinho com uma certa frustração na voz.
- Pois eis que compartilharei a minha desgraça, mas que isso nao alivie meus pecados! Que eu sofra sob o sol e que ate a vagem me odeie! Que a sombra me amedronte e as arvores se fechem em meu caminho!
- Sim, sim, diga logo! - guinchou o suíno impaciente.
- Eu comi uma salsicha.
- E?
- E? - repetiu a arara (e por um segundo detestou ter repetido pois se sentiu um papagaio)
- Nao era uma qualquer meus amigos, oh, quem sou eu para chamar-vos de amigos. Nao mereço amigos, nao mereço pena!
- Mas continue por favor!
- Um dia encontrei uma salsicha indo para floresta. Estava ela a catar lenha, como esta nao era sua ocupação adequada, tomei-a por espia e lhe dei cabo da vida... Horas depois encontrei um pássaro que me questionou sobre a mesma, e tendo lhe dito que a havia lhe tirado o corpo e lhe liberto o espírito, o pássaro prontamente me acusou de roubo e assassinato! Naquela hora apenas lhe disse que isso nao importava, por a salsicha estar fora de sua ocupação e provavelmente ser uma espia! Mas ai que dias depois soube que o pássaro morreu, juntamente com um rato em uma casa que ambos dividiam com a salsicha*. Meu coração se despedaçou de remorso e minha vida se tornou um mar de espinhos que continuamente navego a espera da morte. A cada ano o arrependimento cresce mais e mais e creio tanto que mereço sofrer que nao dou cabo de minha própria vida. Aguardo apenas a loucura total chegar ou a ceifadora me levar.
- (Grandes coisas, salsichas geralmente sao feitas de porco) - falou o porco consigo mesmo.
- (Existem, para sua informação salsichas de frango e apesar do meu desprezo pela classe inferior dos galináceos, eles ainda sao pássaros e nao merecem tal fim) - sussurrou a arara para o porquinho - mas bem, meu nobre e arrependido amigo, o arrependimento cura muitas feridas e como o tempo benevolente seu pecado ja deve ser esquecido. Vida nova, vamos em frente! Porquinho, porquinho, pergunte ao nosso amigo o que voce me perguntou hoje!
- O que vamos fazer?
- Antes disso.
- Ah! Cãozinho arrependido... quer ser meu amigo?
O cao fitou os dois animais distintamente e refletindo rapidamente sobre as palavras da arara e diante da benevolência do focinho-chato a sua frente, caiu novamente em prantos e disse:
- Sim! Sim, eu quero ser seu amigo! Eu o protegerei e o guardarei como forma de compensar minha maldade no passado!
- Nao precisa! E eu tenho uma idéia agora... Que tal visitarmos outro amigo meu
- Posso ir voando?
- Pode.
- Então tudo bem.
- Irei com voce aonde for, pois nas nuvens negras do meu ceu se abriu um raio de luz! Adiante, vamos aonde nosso destino e focinho nos levam!
E assim se dirigiram para a saida da praia.
Continua...?
*O cao eh uma referencia direta a historia dos irmaos Grimm intitulada "O pássaro, o rato e a salsicha". Gaste uns minutos do seu tempo lendo coisas clássicas que nao sao sobre o socialismo ou sobre como o ser humano existe por que pensa. :D
- Oi!
- Ola... - disse a arara abrindo os olhos e cocando as asas com o bico.
- Quer ser meu amigo?
- O certo eh amiga.
- Que? - indagou o rechonchudo porco.
- Sou uma fêmea. Então eh amiga. Voce tem que perguntar se eu quero ser sua amiga.
- Ah.
- LogicoquesendoeuumaararaeapalavraararaemportuguesterminacomaelevaacrerquesempresefalaAararaenaoo araravocetentouseratecondizenteesimpaticoeissoehmuitobomporqueestemundoestacheiodegenteperversae...
- Mas entao? - intorrempeu o rolico suino.
- Entao o que?
- Quer ser minhA amigA?
- Tudo bem! Voce gosta de conversar? E de ouvir? Eh que eu falo muito as vezes. Eu medito sobre o tempo, o espaço e a fronteira final no que concerne ao mundo das araras e portanto sempre tenho muito a falar.
- Ah. OK. Eu sou um bom ouvido, eu acho. Pelo menos para um porco.
- Que bom. Agora que somos amigos o que vamos fazer?
- Essa praia eh bonita.
- Eh.
- Vamos passear na areia perto do mar!
- Claro. Se importa de eu voar?
- Mas eu nao vou poder acompanhar sua velocidade!
- Hum. Eh verdade. O meu deslocamento mínimo necessário para manter um sobrevoo constante depende de uma velocidade que via terrestre se torna incompatível, especialmente para suas pernas de porquinho. E que perninhas gordinhas!
- Eh. Eh meu pernil. Meu presuntinho. Um porquinho deve estar sempre em forma.
- Bom, bom. OK, nao eh comum para araras mas andarei com voce. Eh um pouco dificultoso para mim, sabe? Tudo que os passaros fazem eh voar e dar pulinhos. Isso desconsiderando as galinhas, os galos, as picotas, enfim os galinaceos em geral. Com a domesticação se perdeu a essência desses bichos.
- A essência deles agora fica na panela - replicou o suíno arredondado.
- Muito verdade meu caro amigo! Sabe que me cansa andar? Poderia eu me empoleirar em suas costas?
- Mas ai voce vai me machucar com essas unhas! Vai dilacerar minha costinha e rasgar meu lombinho! - protestou o nariz-de-tomada como se essa lógica fosse a coisa mais obvia do mundo. E de fato o era.
- Bem verdade meu amigo rosado! Bem verdade. Por voce e por nossa amizade continuarei andando. Mas oh! Veja la que vem um cao! Um cachorro! E que triste parece!
- Sim, o que sera que houve?
- Ola meu canino amigo, que bons ventos marítimos o trazem a esta bela praia neste belo dia?
- Ah, ai de mim! Sofro com o resignio em meu coração! - E caiu em prantos, ganindo baixinho.
- Mas que cachorro eloqüente! - disse o porquinho arregalando os olhinhos, o que fazia com que sua bochecha ficasse ainda mais redonda.
- Eloqüência pode ser adquirida facilmente e nao significa exatamente inteligência! - disse de pronto a arara empinando o bico.
- Oh, deixai-me aqui, deixai-me morrer pela mare, que ela me leve ao fundo do submerso e que eu me afogue em desespero e agonia, ganindo bolhas de dor enquanto o sal embalsama o meu corpo maldito! Ai de mim, que desgraçado eu sou!
- Acho que ele eh eloqüente, ainda assim. (E dramático...) - sussurrou o porco a sua amiga penosa e colorida.
- Creio que ao menos possamos saber o que se deu por ocorrido, qual a desgraca que se abateu sobre o nosso irmão. Diga, meu amigo, diga para que seus parentes do reino animalia nao fiquem sem propósito, pois isso seria um despropósito e uma ignomínia. Onde ja se viu encontrar alguem sofrendo e nao saber a causa para poder ajudar. Nos, que voamos ao ceu, somos seres puros de coração e pequenos de estômago. Diga la.
- Eu nao vôo... - disse o porquinho com uma certa frustração na voz.
- Pois eis que compartilharei a minha desgraça, mas que isso nao alivie meus pecados! Que eu sofra sob o sol e que ate a vagem me odeie! Que a sombra me amedronte e as arvores se fechem em meu caminho!
- Sim, sim, diga logo! - guinchou o suíno impaciente.
- Eu comi uma salsicha.
- E?
- E? - repetiu a arara (e por um segundo detestou ter repetido pois se sentiu um papagaio)
- Nao era uma qualquer meus amigos, oh, quem sou eu para chamar-vos de amigos. Nao mereço amigos, nao mereço pena!
- Mas continue por favor!
- Um dia encontrei uma salsicha indo para floresta. Estava ela a catar lenha, como esta nao era sua ocupação adequada, tomei-a por espia e lhe dei cabo da vida... Horas depois encontrei um pássaro que me questionou sobre a mesma, e tendo lhe dito que a havia lhe tirado o corpo e lhe liberto o espírito, o pássaro prontamente me acusou de roubo e assassinato! Naquela hora apenas lhe disse que isso nao importava, por a salsicha estar fora de sua ocupação e provavelmente ser uma espia! Mas ai que dias depois soube que o pássaro morreu, juntamente com um rato em uma casa que ambos dividiam com a salsicha*. Meu coração se despedaçou de remorso e minha vida se tornou um mar de espinhos que continuamente navego a espera da morte. A cada ano o arrependimento cresce mais e mais e creio tanto que mereço sofrer que nao dou cabo de minha própria vida. Aguardo apenas a loucura total chegar ou a ceifadora me levar.
- (Grandes coisas, salsichas geralmente sao feitas de porco) - falou o porco consigo mesmo.
- (Existem, para sua informação salsichas de frango e apesar do meu desprezo pela classe inferior dos galináceos, eles ainda sao pássaros e nao merecem tal fim) - sussurrou a arara para o porquinho - mas bem, meu nobre e arrependido amigo, o arrependimento cura muitas feridas e como o tempo benevolente seu pecado ja deve ser esquecido. Vida nova, vamos em frente! Porquinho, porquinho, pergunte ao nosso amigo o que voce me perguntou hoje!
- O que vamos fazer?
- Antes disso.
- Ah! Cãozinho arrependido... quer ser meu amigo?
O cao fitou os dois animais distintamente e refletindo rapidamente sobre as palavras da arara e diante da benevolência do focinho-chato a sua frente, caiu novamente em prantos e disse:
- Sim! Sim, eu quero ser seu amigo! Eu o protegerei e o guardarei como forma de compensar minha maldade no passado!
- Nao precisa! E eu tenho uma idéia agora... Que tal visitarmos outro amigo meu
- Posso ir voando?
- Pode.
- Então tudo bem.
- Irei com voce aonde for, pois nas nuvens negras do meu ceu se abriu um raio de luz! Adiante, vamos aonde nosso destino e focinho nos levam!
E assim se dirigiram para a saida da praia.
Continua...?
*O cao eh uma referencia direta a historia dos irmaos Grimm intitulada "O pássaro, o rato e a salsicha". Gaste uns minutos do seu tempo lendo coisas clássicas que nao sao sobre o socialismo ou sobre como o ser humano existe por que pensa. :D
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