Sentou-se no balcão, espremido entre a janela frontal da pequena loja e da cozinha, perto das enormes frigideiras. Felizmente que nada cheirava à óleo ou gordura, pelo menos até onde se podia enxergar, era tudo limpo, apesar de mal iluminado pro lâmpadas incandescentes. O menuzinho à sua frente não tinha figuras, até os preços estavam em kanji. Tentou encontrar alguns familiares mas sem muito sucesso, apenas pediu 'Gyoza setto, onegaishimasu. Gohan wa emu saizu'. Gyoza e arroz médio, tudo num conjunto com um preço acessível.
Até aquele momento só haviam dois clientes no pequeno restaurante. Já tinha estado ali antes com uma amiga, parecia ser o tipo de lugar frequentado principalmente por gente solteira, sem tempo ou paciência para cozinhar. Mas o gosto era bom, parecia limpo e os preços razoáveis. O segundo cliente, um velho, olhou para ele, um olho com marcas vermelhas ao redor. O outro roxo. Parecia ter brigado, brigado feio - e apanhado. O velho desviou o olhar inexpressivo.
Abriu o seu livro encontrado na caixa de despejo de livros da universidade. Era "O completo guia da Terra-Média" um exemplar raro e bem feito, produzido sob a forma de dicionário com tudo sobre a obra de Tolkien, para qualquer fã, um item pra lá de interessante. A senhora que atendia o restaurante trouxe a primeira parte da porção pedida: molho para gyoza num pireszinho, uma bola de salada que mais parecia uma bola de sorvete que não derretia e o arroz, tigela média. Alguns minutos depois, o homem por trás das frigideiras por trás do balcão entregou os gyozas, ficou feliz, pois estava com muita fome e com um desejo impassível de comer aquilo.
O restaurante começou a encher, como que para confirmar sua teoria sobre o lugar ser um antro de solteiros sem habilidades culinárias ou paciência, todos os clientes eram homens desarrumados, alguns de terno, deixando o paletó de lado, alguns estudantes. Concentrou-se na comida e abriu o livro novamente para ignorar o nojento som do cliente mais próximo comendo lámen. Hábito cultural do qual se é impossível de acostumar quando se tem o mínimo de maneiras à mesa, a moda ocidental, claro.
Terminou o prato, estufado, pegou o livro e começou a ler a definição de Nazgul enquanto relaxava tomando o chá frio e sem açúcar servido ali. Quando estava chegando ao final do verbete, percebeu que o velho tinha sentado sorrateiramente a um banco de distância e estava lhe encarando, o olho roxo e inchado se mexendo rápido, enquanto o outro olho, nem tão saudável, estava impassível.
"Estudante estrangeiro?" perguntou o velho, sem usar nenhuma formalidade típica da língua, usada principalmente com desconhecidos e com "superiores".
"Sim." limitou-se a responder. Apesar de ter olhado de relance para o velho, preferiu continuar olhando para as páginas amareladas do livro. Sentia que se olhasse muito aquele olho machucado, os gyozas iriam tentar voltar para o prato.
"E fora estudo, procura algo mais? O que trouxe você ao nosso país?"
Refletiu por um momento, surpreendeu-se mais em ter entendido o dialeto e a voz enferrujada do velho do que com a pergunta. Já estava acostumado com esse tipo de pergunta, provavelmente a próxima seria "Quando você volta pro seu país?" ou algo do tipo.
"Creio eu que, haja muito mais do que você percebe por aqui. Não seria sábio e nem proveitoso voltar para seu país antes de saber do que estou falando. Até o ano que vem pode não ser o suficiente."
Agora se espantou de verdade. Não pôde conter arregalar os olhos. Como ele sabia?
"Este olho tudo vê, meu amigo."
E rindo o velho apontava para o olho roxo, aonde a pupila se debatia freneticamente dentro do globo ocular. O roxo inchado cheio de rugas de quem viveu muito.
"Eu..." Faltaram-lhe palavras do idioma local, tentou formar a estrutura da sentença mas não encontrava as palavras para colocar na ordem certa. Nem lhe vinham à mente os verbos que deveriam ser flexionados para responder.
"A chuva está forte hoje. O céu se zanga nas montanhas e vem descontar na cidade. É bom tomar cuidado." Dito isso, deixou uma nota de mil ienes no balcão, embaixo da nota cheia de kanjis rabiscados apressadamente pela garçonete. O velho deixou a loja e um rapaz assustado.
Mais tarde refletia sobre aquele começo de noite. E sobre seus planos. O que haveria por acontecer?
Até aquele momento só haviam dois clientes no pequeno restaurante. Já tinha estado ali antes com uma amiga, parecia ser o tipo de lugar frequentado principalmente por gente solteira, sem tempo ou paciência para cozinhar. Mas o gosto era bom, parecia limpo e os preços razoáveis. O segundo cliente, um velho, olhou para ele, um olho com marcas vermelhas ao redor. O outro roxo. Parecia ter brigado, brigado feio - e apanhado. O velho desviou o olhar inexpressivo.
Abriu o seu livro encontrado na caixa de despejo de livros da universidade. Era "O completo guia da Terra-Média" um exemplar raro e bem feito, produzido sob a forma de dicionário com tudo sobre a obra de Tolkien, para qualquer fã, um item pra lá de interessante. A senhora que atendia o restaurante trouxe a primeira parte da porção pedida: molho para gyoza num pireszinho, uma bola de salada que mais parecia uma bola de sorvete que não derretia e o arroz, tigela média. Alguns minutos depois, o homem por trás das frigideiras por trás do balcão entregou os gyozas, ficou feliz, pois estava com muita fome e com um desejo impassível de comer aquilo.
O restaurante começou a encher, como que para confirmar sua teoria sobre o lugar ser um antro de solteiros sem habilidades culinárias ou paciência, todos os clientes eram homens desarrumados, alguns de terno, deixando o paletó de lado, alguns estudantes. Concentrou-se na comida e abriu o livro novamente para ignorar o nojento som do cliente mais próximo comendo lámen. Hábito cultural do qual se é impossível de acostumar quando se tem o mínimo de maneiras à mesa, a moda ocidental, claro.
Terminou o prato, estufado, pegou o livro e começou a ler a definição de Nazgul enquanto relaxava tomando o chá frio e sem açúcar servido ali. Quando estava chegando ao final do verbete, percebeu que o velho tinha sentado sorrateiramente a um banco de distância e estava lhe encarando, o olho roxo e inchado se mexendo rápido, enquanto o outro olho, nem tão saudável, estava impassível.
"Estudante estrangeiro?" perguntou o velho, sem usar nenhuma formalidade típica da língua, usada principalmente com desconhecidos e com "superiores".
"Sim." limitou-se a responder. Apesar de ter olhado de relance para o velho, preferiu continuar olhando para as páginas amareladas do livro. Sentia que se olhasse muito aquele olho machucado, os gyozas iriam tentar voltar para o prato.
"E fora estudo, procura algo mais? O que trouxe você ao nosso país?"
Refletiu por um momento, surpreendeu-se mais em ter entendido o dialeto e a voz enferrujada do velho do que com a pergunta. Já estava acostumado com esse tipo de pergunta, provavelmente a próxima seria "Quando você volta pro seu país?" ou algo do tipo.
"Creio eu que, haja muito mais do que você percebe por aqui. Não seria sábio e nem proveitoso voltar para seu país antes de saber do que estou falando. Até o ano que vem pode não ser o suficiente."
Agora se espantou de verdade. Não pôde conter arregalar os olhos. Como ele sabia?
"Este olho tudo vê, meu amigo."
E rindo o velho apontava para o olho roxo, aonde a pupila se debatia freneticamente dentro do globo ocular. O roxo inchado cheio de rugas de quem viveu muito.
"Eu..." Faltaram-lhe palavras do idioma local, tentou formar a estrutura da sentença mas não encontrava as palavras para colocar na ordem certa. Nem lhe vinham à mente os verbos que deveriam ser flexionados para responder.
"A chuva está forte hoje. O céu se zanga nas montanhas e vem descontar na cidade. É bom tomar cuidado." Dito isso, deixou uma nota de mil ienes no balcão, embaixo da nota cheia de kanjis rabiscados apressadamente pela garçonete. O velho deixou a loja e um rapaz assustado.
Mais tarde refletia sobre aquele começo de noite. E sobre seus planos. O que haveria por acontecer?
Um comentário:
os requintes ficcionais estão cada vez melhores, alex! é sempre interessante quando passamos a ver a nossa vida como uma narrativa fantástica, atribuindo valores e sentidos especiais. gosto muito. parabéns, chuchu. (:
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