19 de abril
Voltei cedo do trabalho hoje, não estava me sentindo bem. Na verdade estava, mas de repente me deu um mal estar enorme, me senti observado, cercado de gente agressiva e meu estômago começou a pesar como chumbo. Falei com o chefe que me perguntou se estava tudo bem por que eu estava muito pálido. Liberado, fui embora como um robô, quando vi estava em casa, parecia que só tinha dado um passo da porta do trabalho e tinha chegado em casa, não passado pelos usuais dois trens do caminho. Resolvi dormir e agora acordei com muita fome. Acho que vou pedir uma pizza.
20 de abril
A pizza de ontem não ajudou. Já é de manhã, não fui trabalhar e nem consegui dormir direito. Tenho muita fome.
São seis da tarde e comi como um bicho. Comprei bolos, salgadinhos, sucos e pedi mais pizzas. Nada. A fome não passa. Não sei o que fazer.
Dez horas da noite. Já provoquei duas vezes de tanto comer. Achei umas pílulas pra dormir que a Érica esqueceu aqui quando foi embora, espero que possa dormir melhor.
21 de abril
Acordei ao meio dia, o lado bom é que as pílulas funcionaram. O lado mal é que estou com uma terrível indigestão e ainda com fome. Mas tentando ficar quieto e organizar meus pensamentos, percebi que é algo não exatamente no estômago. A fome que eu tenho é outra. A sensação me incomoda muito, vou tomar mais pílulas. Despluguei o telefone.
22 de abril
As pílulas acabaram. Mas não adiantaram como ontem. Dormi algo em torno de 4 horas só. Fiquei rolando na cama, estômago cheio e um desconforto. Não acho nehuma posição pra ficar quieto e relaxar, minhas roupas me incomodam e ficar nu me incomoda ainda mais. Tentei tomar um banho quente e me irritei ainda mais. Não consigo comer também.
Agora já é noite e acho que já sei. Fazem três meses que a Érica me deixou, desde então não tenho procurado ninguém. Deve ser essa solidão então. Quero dizer, preciso dar uma. Acho que é tesão e não fome. Vi pela internet que tenho uma boa grana guardada então acho que vou chamar aquela menina do flyer que deixaram aqui outro dia.
23 de abril
Ela passou a noite aqui, me comeu um bocado de grana e ainda não estou satisfeito. Preciso de mais. Ela foi embora mas deixou uns números de telefone pra mim, disse que algumas amigas dela estão em tempos difíceis e poderiam vir aqui. Liguei pra três delas. Saí de casa só pra ir ao caixa eletrônico. Aguardo ansiosamente.
24 de abril
Uma delas ainda está aqui dormindo, exausta. A primeira saiu no meio da noite assustada e dizendo que não aguentava mais. A segunda tentou ficar mais, mas disse que não queria mais, já tinha dinheiro suficiente. Essa que ficou deve ir embora quando acordar. Eu também já não aguento mais. Estou esgotado, meu membro está vermelho e dolorido e quando urino chega a doer. Não era tesão. Tenho fome.
25 de abril
Ontem comprei mais pílulas pra dormir. Só por garantia também passei em um traficante que já foi meu amigo um dia e comprei um pouco de erva. Nunca gostei muito, fumei algumas vezes na faculdade ou por aí, mas hoje o caso é sério. Preciso relaxar. Preciso.
26 de abril
Acordei em uma poça de vômito, acho que tomei remédios demais. Minha cabça gira sem parar e mal consigo escrever. Tenho sorte de não ter morrido. Não quero ir ao médico, vou ficar aqui quietinho.
27 de abril
Não sei o que fazer. Fome. Fome. Fome. Fome. Fome.
28 de abril
29 de abril
30 de abril
Não dormi, esqueci que tinha um diário. Mas não fiz nada interessante, não fiz nada. Fiquei na cama sentindo a fome, sentindo a dor. Não sei o que fazer. Vou sair um pouco daqui, preciso de ar novo.
01 de maio
Não foi uma boa idéia. Absolutamente. Eu não devia ter saído. Eu vi essa mulher passando por mim, e ela cheirava tão bem. A fome me fez segui-la, andei bem quieto atrás dela, sentindo o perfume. Cheirando. Estava bom, eu não sentia dor, eu me sentia bem. Mas ela percebeu, ela virou e gritou e eu saí correndo. Me escondi em um beco. Voltei pra casa. Preciso disso, daquele cheiro.
02 de maio
O que eu fiz? O que? Ontem depois de escrever saí de novo. Saí e encontrei aquela mulher de novo, ela não me viu e estava escuro. Perto do mesmo beco onde me escondi. Eu puxei ela, tapando sua boca, coloquei ela na parede, de costas pra mim, ela chorava e dizia que não ia reagir, que só queria viver. Eu disse que tinha fome, eu disse que precisava dela, do cheiro dela. Segurando os pulsos dela eu cheirei o pescoço, passei muito tempo ali, ela chorava baixinho mas não reagia. Depois de algum tempo eu parei, me ajoelhei e comecei a chorar. Não era o suficiente, a fome continuava. Ela percebeu que eu a soltara e fugiu. Eu voltei pra casa. Tenho fome.
03 de maio
Dói escrever. Acho que desmenti alguns dedos. Meu punho esquerdo com certeza está quebrado em alguns lugares. Desesperado, comecei a quebrar algumas coisas em casa. Com socos, com chutes, com minha cabeça, pelo amor de Deus. Estou com vários cortes, estou sentindo o gosto das lágrimas misturadas com sangue da minha testa, eu cheiro mal, não tomo banho há dias. Tenho fome.
04 de maio
Arrumei tudo, tudo está limpo, tomei banho, fiz a barba. Fiz curativos, coloquei meus dedos no lugar (o que doeu muito e agora minha mão está inchada). Acho que vou ao médico.
05 de maio
Uma mão engessada até perto do cotovelo, alguns pontos no rosto e no peito, mas estou fisicamente saudável. Ele me indicou um psiquiatra. Fui no mesmo dia e ele me veio com a conversa de "análise" e "tempo pra avaliar". Não sei o que fazer, tenho fome.
06 de maio
Voltei ao trabalho apenas para ser demitido com justa causa, o que não foi surpresa. Deixei tudo o que tinha lá. Acho que vou mudar de casa também. Preciso pensar, a fome incomoda muito.
07 de maio
Como tudo que ficará nesta casa para quem abri-la um dia, este diário também ficará. Tudo referente ao periodo anterior da fome foi queimado, junto com os diários dos anos anteriores. Daqui nada levo, não deixo dívidas e nem responsabilidades. Parto daqui com fome. Tenho fome.
Tenho fome.
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