Seguiu para o norte da cidade, intrigado com o que o velho do olho feio havia lhe dito. Tempo pode ser muito relativo ao que se está fazendo, nem sempre um tempo de diversão passa rápido. Naquele momento estava mais entediado do que qualquer outra coisa, não havia muito a se fazer então continuou seguindo o norte (o que é deveras fácil naquela cidade cercada por montanhas e com uma leve inclinação naquela direção). Parou em um semáforo, impaciente sem motivo já que não havia o por que de tanta pressa. Olhando para os lados, como as pessoas apressadas costumam fazer quando estão impedidas de seguir em frente, viu uma pequena loja com grandes vitrines.
A loja era toda branca, desde as paredes até o conteúdo em exibição. Ali eram vendidas cortinas e roupas de cama, mas estranhamente todas brancas. Também notou que na vitrine haviam dois manequins, um com um vestido que lembrava um vestido de noiva colado ao corpo atlético sintético e sem cabeça, o outro da mesma maneira, mas trajando um fraque branco que caía perfeitamente no modelo.
De uma janela próxima, no alto do prédio talvez, começou a ouvir o gemido de uma guitarra reggae cadenciando a voz afro da canção. Era uma tarde morna e diante daquela cena, parou por um instante esquecendo do mundo ao seu redor. Dentro da loja uma mulher entrava por uma porta nos fundos e caminhava entre as prateleiras alisando os tecidos suavemente, cabeça baixa e cabelo cobrindo o rosto. Ela se vestia toda de preto, uma saia de um tecido leve e brilhoso como seda, uma blusa do mesmo material mas com bordados e pequenos babados. Um par de sapatos de salto alto, toda peça de roupa e acessório da mesma cor dos cabelos cortados na altura dos ombros, contrastando com a pele branca que evitou o sol por muito tempo.
Seu passo era triste e lento, as mãos que tocavam os produtos da loja eram pequenas. Uma presença intrigante naquele pequeno mundo branco exposto ao mundo através daquelas enormes vitrines. Ela pára de repente, maneia a cabeça como que para ouvir algo, como se percebesse algo muito sutil se aproximando, seguia se movimentando com leveza e cautela. Olhou fixo para ele. O rosto sério, os olhos orientais abertos e sobrancelhas finas e bem cuidadas. Ela andou em direção à vitrine como um anjo negro andando através de nuvens de cortina e lençóis. Entre os dois manequins, ela põe as mãos no vidro, como que esperando que o gesto fosse retribuído, mas antes que qualquer reação fosse esboçada por ele, os olhos dela se contorceram e a boca entortou como que em dor. Há um grito silencioso sendo emitido, dentro da loja com certeza está ecoando com todas as forças daquela garganta delicada, mas do lado de fora os únicos sons são o reggae da janela e o vento nas folhas das árvores, um motor de carro distante a respiração dele mesmo.
Ela grita apoiada na vitrine. Ele finalmente entende a situação, seu cérebro processa que aquilo é de fato real , seus olhos se movem muito rápido, assustados e um calafrio lhe sobe a espinha. Virando noventa graus, atravessa a rua o mais rápido que pode, sente a necessidade animal de fugir daquela cena, daquela pequena loucura perdida em um cantinho do mundo. Não olha para trás, apressando o passo, mas vê claramente em sua mente que a mulher está de joelhos, com as mãos apoiadas na vitrine, chorando. Enchendo a bainha por fazer do manequim de fraque de lágrimas. Segue em frente, com medo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário