20090407

Um ano dentro, um fora

Fez um ano, no dia 4 de abril. Na verdade, se eu for caxias e quiser ser bem específico, fez um ano no dia 3 de abril, por volta de 23:30 no horário de Kyoto.

Um ano dentro, um ano fora. Um ano dentro da principal ilha do Japão, na região de Kansai, longe de Tóquio, mas perto de Osaka, mas o mais importante: na cidade mais bonita do Japão (há controvérsias). Semana passada vi pela segunda vez o desabrochar das cerejeiras e senti a alegria do calor da primavera. Agora mesmo minha janela do apartamento no quarto andar está aberta. Por volta de três semanas atrás isso seria impensável... Ainda uso meu cobertor elétrico por que de madrugada bate um friozinho, mas sempre me desvencilho dele durante o sono, quente demais.

E nesse ano dentro vi muitos lugares, vi coisas que nem sabia que existiam e fui a lugares loucos. Participei de dois grandes festivais de rock e vi inúmeras bandas que achava que um dia, com muita sorte, elas viriam ao Brasil e talvez eu tivesse dinheiro pra vê-las. Fui a Hokkaido, a ilha do norte, ainda não fui à Tóquio mas estou me programando.

Acho que as pessoas poderiam perguntar de mim "como é a vida aí?" É um pouco difícil responder isso rápido, depende do que se quer saber. Vou tentar por partes.
Língua japonesa: difícil, nem tanto quanto se pensa, fazem muito terrorismo por aí, mas é preciso disciplina e dedicação, coisa que eu não tenho muito. Se for só pra falar, não é tão complicado, mas se você quiser ler, aí a vaca tosse e a porca torce o rabo. Reaprender a ler, com a diferença de que o novo alfabeto tem por volta de 2000 letras.
Pessoas & sociedade: o ilustre professor Iemoto, um dos melhores da Divisão de Estudantes Estrangeiros da Universidade de Kyoto definiu bem: se um prego está mais alto que os outros, ele é martelado até ficar igual. É difícil para quem vive num ambiente como o de Manaus. É difícil mesmo para os brasileiros mais frios... Eu encontrei gente legal, "normal", mas são raridades. Tem todo tipo de gente, os não-me-toques (isso é meio que consenso, ninguém aperta mão ou se abraça muito), os duas-caras, etc. No geral, é bem difícil saber o que um japonês está pensando, saber se ele é seu amigo mesmo ou não leva um certo tempo. Lados bons e ruins.
Acho que não é fácil absorver outra cultura, mesmo se acostumar. Acho que particularmente, entrei numa fase de respeito e ignorância. Respeito a educação básica, mas ignoro os exageros.

Poderia falar de mais coisas aqui, muito mais. Comida, banheiros (são estranhos), mulherada, etc. Mas ia estender demais e eu quero falar sobre o que é importante pra mim. O ano fora. Um ano fora de MAO, um ano sem ver família, amigos e minhas cadelas. Um ano sem tocar com meus amigos, a banda da qual eu faço parte e que me rendeu momentos pra sempre lembrados (e renderá mais, espero). Algumas coisas parecem fora de hora. Fui padrinho de casamento de um dos casais mais legais que eu conheci, daqueles que você torce para que tudo dê certo pra eles. E a gente se conheceu mais ou menos um ano e meio antes de eu vir pra cá. Também deixei outro casal de amigos do qual sinto falta demais, mas felizmente ainda mantemos os contatos sempre que possível. As pequenas coisinhas que seguram firmemente a ponte da amizade.

Deixei a Dani também, fonte infinita de amor, risadas, briguinhas e brigonas, comilanças, coisas bonitas e uma cumplicidade tremenda. Em inglês tem uma palavra que define bem o que ela foi pra mim: remarkable. Indelével pode ser usado também. As escolhas que a gente faz...

Deixei duas meninas: Petúnia e Penelópe me esperando. Sempre que eu voltava pra casa elas estavam sentadas na escada da frente, de onde pode-se ver a rua. Elas levantavam aquelas orelhas vira-lata e ficavam mirando até ter certeza que aquele transeunte cabeludo era o pai delas e corriam pra garagem pra fazer festa assim que eu entrava em casa. Aqui pra ter um cachorro é caro, tem que ter licença e não pode ser em apartamentos. Kawaisou. Uma pena.

O lado bom é que eu aprendi muito. Falo mais japonês que há um mês atrás e falarei mais ainda no mês que vem. Aprendi a ter mais paciência, a cozinhar melhor e com o que tiver à mão. Aprendi a respeitar a cultura alheia, mesmo que eu não goste e controlar melhor o ódio irracional que às vezes a gente sente por coisas sem sentido. Tive que aprender a ser mais forte. Ainda estou. Acho que ainda estou aprendendo todas essas coisas. E se alguém me perguntasse qual é meu maior medo aqui, em primeiro lugar seria de ficar doente, por que os médicos daqui não sabem tratar de doenças de estrangeiro muito bem. O segundo medo é de ficar ruim, de ser como tanta gente que eu vejo que ficou amargo, azedo com a vida, reclama de tudo, critica tudo e tenta a todo custo consumir as suas esperanças. Mas eu já vi que isso não deve acontecer, pelo menos numa escala grande. E encontrei muita gente legal que me ajuda a ser feliz aqui, que também construiu pontes de amizade comigo, gringos e japoneses. Essas coisas me seguram durante a semana, e na segunda-feira de manhã, a voz da minha mãe e dos meus irmãos no telefone me dá mais um gás pros dias que virão.

Ontem eu fiz 26 anos. Desses, por volta de 23,5 eu passei em Manaus. 1,5 foi viajando, a lazer ou a trabalho. E agora um ano, aqui no Japão. Um ano dentro do Japão. Um ano fora do meu lar.

Falta só um e meio.

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